quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Nietzsche e Dostoiévski

Esta semana estou fazendo um apanhado do que vi de interessante em minha releitura de "Crepúsculo dos Ídolos" e tive a ideia de compartilhar isso com vocês. 

Tratei aqui da admiração de Nietzsche por Tucídides e por Goethe, mas não poderia deixar de falar da apreciação do filósofo alemão pelo escritor russo Fiódor Dostoiévski.

Dostoiévsk foi um célebre escritor, filósofo e jornalista russo que produziu romances, novelas, contos, escritos jornalíticos e escritos críticos. Foi representante do realismo russo e trabalhou em seus livros temáticas fortes, concernentes ao ser humano como: assassinato, suicídio, humilhação, autodestrição, tirania, loucura, morte, liberdade, responsabilidade individual, religião...

Seus livros mais conhecidos são "Crime e Castigo"(1886) e "Os irmãos Karamazov"(1881), entretanto, para Nietzsche seu romance preferido é "Recordações da casa dos mortos"(1862) e em realação a este livro e a Dostoiévski, o filósofo afirma o seguinte no capítulo IX -"Incurssões de um Extemporâneo":

45 {...}

"- Dostoiévski, o único psicólogo, diga-se de passagem, do qual

tive algo a aprender: ele está entre os mais belos golpes de sorte

de minha vida, mais até do que a descoberta de Stendhal. Esse

homem profundo, mil vezes correto em sua baixa estima dos

superficiais alemães, percebeu de modo muito diverso do que

esperava os detentos siberianos entre os quais viveu por longo

tempo, autores de crimes graves, para os quais não havia mais

retorno à sociedade - como sendo talhados na melhor, mais dura

e mais valiosa madeira gerada em terras russas".

Ao conhecer os escritos de Dostoiévski, Nietzsche ficou extasiado, elencando-o para o seu seleto rol de gênios. Basta olharmos de perto o pensamento do escritor russo descrito em seus livros para entendermos o motivo do encanto Nietzsche. Por toda a produção literária de Dostoiévski, fica claro sua objetividade, a ausência de idealizações, a crítica sóciopolítica, seus heróis contraditórios, o ceticismo, o niilismo e o homem em conflito com deus. Essas são algumas das marcas que fizeram com que Nietzsche visse Dostoiévski com tão bons olhos.

O elo de ligação entre os dois é justamente a marca de uma existência angustiada guiada por questões acerca do bem e do mal, pecado e redenção e tantos outros dualismos que tiram o ser humano de seu eixo tornando-o um ser doente.

Para Nietzsche o sofrimento é necessário e pode ser usado como uma ponte para o crescimento interior. 

Ao escrever sobre o Amor Fati, Nietzsche nos convida a amarmos nosso destino, do jeito que ele se apresenta, seja com suas alegrias ou com suas agruras.

Lou Salomé, a russa que foi o grande amor de Nietzsche, foi uma mulher muito além de seu tempo e sobre ela escreverei um artigo mais adiante. Assim que os dois se conhecem, Nietzsche compartilha com ela seu pensamento em relação ao Amor Fati, e tão logo ela escreve um poema que o leva às lágrimas pois exprime de forma cálida o seu pensamento em relação à vida e neste momento vai de encontro com o pensamento de Dostoiévski. O poema chama-se "Hino à Vida" e diz:

"Tão certo quanto o amigo ama o amigo,

Também te amo, vida enigma

Mesmo que em ti tenha exultado ou chorado,

Mesmo que me tenhas dado prazer ou dor.


Eu te amo junto com teus pesares,

E mesmo que me queiras destruir,

Desprenderme-ei de teus braços

Como o amigo se desprende do peito amigo.


Com toda força te abraço!

Deixa tuas chamas me inflamarem,

Deicha-me ainda no ardor da luta

Sondar mais fundo teu enigma.


Ser! Pensar milênios!

Fecha-me em teus braços:

Se já não tens felicidade a me dar

Muito bem: dai-me teu tormento."

Para Nietzsche, a aceitação da vida como ela é, é parte essencial para que o ser se desenvolva plenamente e que o sofrimento molda espíritos livres. Certamente esta não é uma ideia agradável dentro dos moldes ocidentais de pensamento mas nos gera inúmeros questionamentos, e estes sim são ferramentas necessárias para o crescimento do ser.

Até breve... 


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