sexta-feira, 23 de outubro de 2020

176 anos do nascimento de Nietzsche

Em maio de 2017. meu marido e eu fomos a um show do Ney Matogrosso no Teatro Guaíra em Curitiba. Foi um show simplesmente maravilhoso e inesquecível.

 Um ponto que me chamou muito a atenção  foi que o Ney, além de sua presença única no palco em nenhum momento fala com o público, ele interpreta suas músicas para ele como se estivesse em uma forma de êxtase... nunca na vida havia visto algo assim... Talvez por este motivo o público o ama e vai ao delírio com sua desenvoltura no alto de seus 75 anos.

Entendi neste momento que a arte real em geral é assim. quem a faz, seja escrevendo, pintando, cantando, produz o melhor de si e como consequência, se tiver alguém que goste daquilo, é sucesso , é arte... Assim o foi para escritores, pintores, filósofos e tantos outros. 

Dito isto... Em 15 de outubro de 1844 nascia Friedrich Wilhelm Nietzsche, sim, nosso filósofo que não se dizia um homem e sim uma dinamite.


Digo "nosso" pois por estudá-lo anos a fio ele acabou se tornando meio que parte de mim e acredito que tem o mesmo significado para quem acompanha meu blog e também para quem o estuda com afinco.

Portanto, a forma como Nietzsche desenvolveu seu trabalho é como o que vi no show do Ney. Um trabalho para si mesmo, sem a pretensão de acumular um vasto público, apenas os que o compreendam, no entanto, é exatamente isso que os faz ter um público tão grande e apaixonado por seus trabalhos. 

Claro, puxo a sardinha para o meu lado aqui pois sou fã do Ney Matogrosso e encontrei nele um ótimo exemplo comparativo a minha outra paixão que é Nietzsche.

Dando continuidade ao tema, Nietzsche, por meio de seu trabalho filosófico, conseguiu "bagunçar" o panteão filosófico moderno do século XIX que era e continua sendo regido pela tríade grega Aristóteles,  Sócrates e Platão.  Digo isso pois o pensamento Ocidental é regido por esta tríade e duvido muito que isso mude tão cedo.

Como disse Viviane Mosé certa vez em uma palestra, Nietzsche criou uma maquina de guerra contra o pensamento socrático platônico. Toda essa máquina de guerra era voltada para o esquema mental que moldou todo o pensamento Ocidental. 

Essa crítica mordaz à Sócrates faz sentido, quer dizer, faz todo sentido. Talvez hoje, examinamos isso com uma frieza maior  e vemos um certo exagero nas palavras de Nietzsche, mas não é.

Vou tentar aqui, de forma relativamente simples, traçar uma linha de raciocínio que faça sentido.

Vamos lá, neste ponto devemos trazer à tona dois grandes filósofos cristãos católicos. São  eles Agostinho de Hipona e Tomas de Aquino.

Tentarei ser breve, mas aqui, sinto a imensa necessidade de não o ser pois o assunto é longo.

Vamos lá...

Agostinho de Hipona deu início, ou seja, foi o preceptor da filosofia cristã. Neste momento, séc. IV, o cristianismo estava em processo de criação de seus alicerces e precisava de uma base filosófica para ser acreditado. 

A fé, como a conhecemos atualmente, estava longe de ser o que é,  pois o pensamento grego, racional, era o que imperava no mundo antigo. Para acreditar em algo, mesmo que divino, existia a necessidade de  uma base racional, filosófica para que imperasse.

Agostinho de Ipona, antes, muito antes de ser o santo da Igreja Católica, era um "homem do mundo", como usualmente os cristãos fervorosos chamam quem não segue as leis divinas ao pé da letra. Sua mãe, conhecida atualmente como Santa Mônica, lutava incansavelmente para que seu filho abandonasse o vício do álcool e seguisse uma vida "santa".

Esse dia chegou.

Entretanto, Agostinho não abandonou alguns de seus hábitos. Um deles, no meu entendimento o mais importante, valioso e perigoso,  foi o de pensar livremente. Assim sendo, Agostinho pegou sua base Helenista e a transmutou para o Cristianismo.

Neste momento, perdoem-me  os leitores mais retóricos, a bosta estava feita. 

Agostinho cristianizou o pensamento socrático que ja destoava totalmente de seu tempo

Abre-se aqui um parêntese em relação a Sócrates. 

O filósofo era conhecido, em seu tempo, como um "rebelde revolucionário" contra as ideias que imperavam naquele momento. Não à toa, foi condenado a morte por cicuta.

Assim sendo, Agostinho eternizou a máxima que rege o Cristianismo até os tempos atuais de que a vida é um erro, de que todo desejo carnal é pecado e que só o pós mortem é a verdadeira razão da vida. Começa aqui a negação do corpo e dos desejos.

Penso eu, que ainda assim, neste momento, Agostinho poderia ter pego como base os "Estoicos", um grupo filosófico muito mais condizente com o que a Igreja queria como alicerce. Entretanto, os "Estoicos" não eram "descolados", os que poderiam pegar no pensamento como musica chiclete, usual em nossos tempos no carnaval. O descolado mesmo era seguir o pensamento de Sócrates.

E não é que deu certo? Tão certo que até hoje ouvimos essa mesma música chiclete. E olha que de lá pra cá já se vão quase dois mil anos. 

Muitos séculos depois, com o Cristianismo já estabelecido mas apresentando pontos de conflito, entra em cena Tomás de Aquino.

Posso resumir de forma fugaz que Tomás de Aquino é o filósofo cristão que teve como principal meta reafirmar a postura da Igreja a ponto de determinar que a Igreja Católica Apostólica Romana era a representante de Deus na terra. Ou seja, ele reafirmou o poder da Igreja acima do bem e do mal, todos os atos da igreja deveriam ser aceitos pois era o que Deus queria.

Nada mais prático do que usar a máxima de que tudo é feito porque Deus quer, pois ele não vai se pronunciar nem a favor nem contra mesmo...

Agora, revendo isso, podemos voltar para Nietzsche.

Nietzsche é filho e neto de pastores Luteranos. Desse modo, nosso filósofo teve total acesso à teoria e a pratica dos dogmas cristãos. A partir disso, toda sua repulsa ao cristianismo estava explicada.

Por esse motivo, Nietzsche bombardeia nosso esquema mental, indo lá no âmago do problema, mostrando ponto a ponto os erros impostos como verdades absolutas.

Tudo isso seria relativamente normal em 2020, mas por volta de 1875, isso foi uma bomba letal. Ninguém ate o momento teve a ousadia de questionar o pensamento cristão. 

Mesmo assim, Nietzsche o fez sem medo. Pagou pra ver. 

Pouquíssimos o entenderam e lhe deram apoio.

Mesmo assim o respeitaram pois Nietzsche foi o professor mais novo da história da Universidade da Basileia a ter uma cátedra. Conquistou isso aos vinte e quatro anos de idade, fato inédito até então, sendo que a fundação desta instituição data do ano de 1460.

Mesmo assim, com todos os louros da glória com este posto, Nietzsche não dobrou-se ao sistema. Explanou suas ideias sem medo ou pudor... Sua verdade estava no mundo Helênico pois para Nietzsche tudo produzido depois disso era um erro.

Dessa forma, com o tempo, Nietzsche percebeu que esse caminho acadêmico não mais o pertencia, passando assim, a ser o nosso "filósofo andante e errante" como o conhecemos. 

Expatriado, sem rumo, sem lenço e sem documento. Apenas suas palavras eram seu norte.

Nascia assim o Nietzsche que foi imortalizado pelo tempo...

Ah o tempo...  como sempre o tempo coloca tudo em seu lugar...

Com o tempo, as mentiras criadas por sua irmã, Elisabeth, foram desfeitas... De certa forma Nietzsche foi dissociado do Nazismo, mesmo tendo sido citado no Tribunal de Nuremberg como o ideólogo do Nazismo.

Assim sendo, tem como não amar o tempo quando o compreendemos?

Quando estamos no meio do turbilhão e envolvidos pela emoção, não temos aporte para compreendê-lo... mas depois, percebemos que tudo acontece como deve ser.

Talvez por isso Nietzsche percebeu que era um homem póstumo, um filósofo póstumo  e que só as gerações futuras o entenderiam...

Cá estamos nós, em outubro de 2020, o ano mais turbulento de minha vida pois nunca tinha tido o pesadelo de passar por uma pandemia... mesmo assim sobrevivemos e continuamos pensando, lendo e relendo textos antigos e tentando achar razão para essa nossa vida tão vulnerável e ao mesmo tempo tão forte...

A filosofia se mostra para mim como uma forma de não morrer de marasmo... De não achar que a vida se resume em pagar boleto, rir de memes na internet ou de acabar-se no supermercado...

Brindemos então, o aniversário de Nietzsche, convidando Dionisio à nossa mesa, e deixemos nos embriagar  com as ideias, com a alegria do conhecimento e dar vazão para essa fome que nos consome  até o surgimento da aurora... quando os passarinhos começarem a cantar e o sol a nascer... nos indicando que é hora do descanso... 

Descanso necessário para mentes que pensam, que sonham, que se elevam além, muito alem de seu tempo... Esses somos nós, crias do pensamento de Nietzsche... 

Até breve...

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Estratégia para ler Nietzsche II


Há dois anos atrás, quando escrevi o artigo Estratégia para ler Nietzsche, não imaginava que teria a aceitação que teve de meu público.

De lá para cá, várias questões me foram levantadas a respeito dessa estratégia mental que formei para melhor compreender este filósofo tão controverso e tão mal compreendido da filosofia moderna.

Assim sendo, quando o tema é filosofia, quanto mais nos aprofundamos maiores são os questionamentos que nos envolvem e raras são as respostas.  E em Nietzsche essa proporção ganha uma escala imensa pois para tentar compreendê-lo precisamos desbravar caminhos tortuosos, e neste ponto é necessário ter um norte fixo em mente para não nos perdermos.

É preciso traçar um plano de vôo preciso. Digo isso pois pesquisei, a princípio, quais eram as leituras de cabeceira de Nietzsche, bem como seus filósofos preferidos assim como os que ele citava como desprezíveis, sendo Sócrates, sim o grego aclamado pela sociedade Ocidental, um deles. Sem falar em Immanuel Kant.

Mas não pense você que apenas por Nietzsche rechaçar esses filósofos não precisamos ter contato com seus trabalhos, pelo contrário, são estes trabalhos que nos fazem entender a mente inquisidora de Nietzsche, que levanta pontos que passam batido numa leitura rasa e sem compreensão.

Seguindo esse caminho um ponto se faz necessário. Deve-se buscar um entendimento profundo do que foi o Helenismo Grego e os seus reflexos. Por este motivo Nietzsche chega a afirmar que a verdadeira filosofia está no mundo pré socrático. 

Assim sendo, é preciso de um trato muito grande em relação ao pensamento nietzschiano. Não podemos ser rasos ao ler Nietzsche. Precisamos ir além de suas palavras.

Não podemos ler Nietzsche apenas em busca de uma forma de auto ajuda ou ate mesmo como uma simples meta de achar solução para seus problemas pessoais. Nietzsche não é a auto ajuda que conhecemos atualmente. Ele usa o martelo, ou melhor, a marreta para nos levar para uma coisa muito maior e dinamitar nossa razão socrática , ou seja, nos atenta para a tentativa do entendimento do que é o ser humano.  E essa, meus caros, é uma explicação que atormenta o ser humano desde os tempos mais remotos.

Acredito, que neste momento,  meus leitores podem perceber que o trato necessário para ter contato com Nietzsche é trabalhoso. Trabalhoso, porém  necessário para encontrarmos o verdadeiro Nietzsche. 

O Nietzsche que anseia e que expressa em seus escritos uma forma diferente de ver o mundo sem as amarras do molde socático-platônico-cristão. Um exemplo claro disso é Zaratustra. Onde ele fala que só o amanhã  a ele pertence.  Na esperança que gerações futuras venham a ter a sensibilidade para entender o que ele quis dizer.

Por este motivo, não podemos nos deter a ler os livros mais comentados de Nietzsche. Isso nos afastaria dele. Devemso conter nosso apetite e ler Zaratustra e O Anticristo depois de adentrar o universo de Nietzsche, só assim teremos olhos e ouvidos para entender o que ele quis nos mostrar. Pois são leituras que nos chocam. São leituras muito fortes para pessoas que não estão previamente preparadas para o que ele quer nos mostrar.

Não afirmo aqui que sou totalmente favorável a tudo que Nietzsche nos coloca, tenho meus pontos sensíveis, valores com os quais fui criada e que pesam... Mas Nietzsche trata disso de forma necessária, porém, quando minha digestão mental vai além... dou um tempo e quando estou pronta, volto.

Não pensem que em dezesseis anos de estudo em Nietzsche eu não briguei com ele... já cheguei a falar que nunca mais falaria com ele... Mas como toda paixão tem seus arroubos, e momentos de questionamentos... mesmo assim voltei ainda mais apaixonada... porém como já disse anteriormente em outro artigo, minha paixão virou amor e as coisas estão mais calmas... 

Entretanto, percebo que as pessoas mundo a fora amam Nietzsche por seus aforismas, mesmo que em sua maioria mostrem-se apenas como frases de efeito que fazem sentido apenas naquele momento, mas que fazem sentido de alguma forma.

Nietzsche tem esse poder de chamar a atenção de leigos, entretanto, para continuar a tê-lo como mentor é preciso muito trabalho e é aí que muitos desistem.  É só quem tem olhos, ouvidos e vontade de pesquisar e persistir nesse caminho para encontra-lo, realmente dá início a essa caminhada sem fim.

Assim se faz essa vida caminhante da filosofia. Uma caminhada sem fim mas para quem acha seu norte é um caminho apaixonante e com tantos questionamentos que faltam vidas para chegarmos onde realmente queremos. 

Por isso leitor, embarque nessa viagem.  Garanto que vc não se arrependerá de adquirir conhecimentos e valores que vão muito além do que nossa sociedade atual medíocre nos ensina e que nos fazem apenas ruminar valores perdidos e sem sentido.

Até breve!!!

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

O Poder das Mulheres no Séc. XX

Difícil falar de Rock Nacional feminino sem fugir de Rita Lee Jones.

Meus leitores devem estar se perguntando o que tem a ver Rita Lee em um blog sobre Nietzsche.

Esta é uma reposta direta a Nietzsche. 


Infelizmente e com muita dor no coração, como mulher, preciso abrir esta ferida e constatar que meu filósofo preferido era extremamente contra a ideia de que mulheres poderiam pensar e existir filosoficamente, ou seja, Nietzsche era um homem misógino..

Entretanto, devemos ter em mente que Nietzsche vem de um mundo machista, sexista, em que as mulheres não eram ouvidas. 

Paradoxalmente, nesta mesma época, (inicio do Séc. XIX)  Mary Sheley, que foi contemporânea de Nietzsche, escreveu a grande obra "Frankeinstein", conhecido hoje mundialmente. Mary foi uma mulher muito a frente de seu tempo e conseguiu criar uma obra muito além do seu tempo, muito além do que o século XIX poderia conceber.

Percebemos com este exemplo, que mesmo no século XIX, uma entre tantas mulheres conseguiu ser reconhecida. 

Deste modo, quando falamos  de música, podemos afirmar sem sombra de dúvidas que  existiram mulheres fantásticas no Séc. XX. 

No contexto mundial podemos citar Ella FitzGerald, Bessie Smieth, Nina Simone, Janes Joplin e tantas outras mulheres, que independente de sua cor ou credo... fizeram a diferença no cenário da música mundial. 

Essas mulheres viraram clássicos seja no Rock, no Jazz ou no Blues.

Assim sendo, tenho o dever de chamar a brasa para a minha sardinha e citar Rita Lee.

Ao falar de Rita Lee, como mulher, me liberto de qualquer estereótipo pré estabelecido. é como se eu falasse e uma Über music woman.

Uma mulher que fala sem pudor dos valores femininos.

Rita, é uma mulher que vivenciou a luta do feminismo na pele. A luta para que as mulheres conseguissem seu lugar de fato na sociedade. Em pé de igualdade com os homens. 

Hoje em dia, é relativamente mais fácil esta luta mas Rita Lee sempre se mostrou presente com suas letras irônicas e sarcásticas, justamente para que nós, mulheres, pudéssemos existir realmente.

Observando este cenário, me pego imaginando o que diria Nietzsche a este respeito.

Se pudéssemos ter uma máquina do tempo e trazer Nietzsche para o Séc. XXI, 2020, qual seria sua reação ao observar tantas mulheres fortes, incontestes no que fazem... 

Nosso filósofo amava música, tanto que chegou a evidenciar que "a vida sem a música seria um erro". 

O que ele diria de uma composição feminina?

O que ele diria ao observar Bessie Smieth, uma mulher negra, sem papas na linga, livre... e com uma voz extraordinária... 

O que ele diria ao observar Janes Joplin. uma mulher branca, igualmente sem papas na língua e com uma voz do mesmo modo extraordinária?

O que ele diria ao ouvir as músicas provocativas de Rita Lee cantando "Todas as mulheres do mundo" ou "Cor de rosa Choque"???

São tantos os questionamentos que fica até difícil emitir qualquer tipo de resposta.

Enfim, o que quero deixar claro aqui, é que assim como Nietzsche tinha pavor de qualquer forma de ídolo, nós, admiradores de Nietzsche não devemos idolatrá-lo... Isso seria o fim para ele. 

Nietzsche contestava a tudo e a todos, qualquer forma de valor por ele era questionado. 

Assim sendo, também o questiono hoje a respeito do valor das mulheres na sociedade atual. 

Vivemos um paradoxo. 

Ao mesmo tempo em que nós, mulheres, estamos conseguindo nosso espaço ao sol, vemos tantas das nossas sendo maltratadas e até mesmo mortas pois simplesmente muitos homens acham que ainda tem o poder de vida ou de morte sobre nós.

Chega. Basta. Não podemos mais aceitar isso de forma silenciosa.

Mulheres, seja qual for sua tarefa na vida, busquem seu melhor, busquem o que a vida tem de melhor para lhes oferecer... 

Nossa essência vai muito além, geramos a vida, geramos novos seres para este mundo... 

Somos Über Woman... somos além... 

Sigamos firmes o exemplo de tantas mulheres que tem o nome reconhecido mundialmente e sigamos igualmente o exemplo de mulheres não tão reconhecidas mas que tem um valor ímpar.

Até breve!!!

sexta-feira, 17 de julho de 2020

A importância do Übermensch na Pandemia do Covid 19

Übermensch. O que vem a ser o Übermensch de Nietzsche?


Übermensch é uma forma de homem que supera os tempos ruins, extrai de suas tristezas e perdas algo de positivo, algo que te deixa mais forte. Acredito que é uma forma de ponto de blindagem.

Não que a pessoa não vá sofrer novamente, mas a dor física ou emocional é o suporte para crescermos fortes e independentes.

Neste ponto, lembro de um exemplo que minha mãe sempre expôs a mim quando precisava puxar minha orelha e chamar-me à realidade da vida. Ela diz que o ser humano é como um diamante, precioso por natureza, entretanto, ele precisa ser lapidado para chegar em seu auge e esplendor. Assim é o ser humano, precisa ser lapidado, receber marteladas da vida para aprender e ser mais forte nas adversidades que se apresentam na vida.

Contudo, o ser humano não vive apenas de momentos ruins. Temos momentos de alegria infinitos, e torcemos para que o tempo flua mais lentamente para aproveitarmos mais um pouquinho deste presente de forças maiores ou chamem como queiram. 

Somos feitos de emoções e cada ser humano é um universo, como diz um certo cantor filósofo. 

Ainda assim,  o mais importante é saber lidar com estes sentimentos, tristeza e alegria pois são extremos que se tocam.

E sabem porquê? Porque Nietzsche é nitroglicerina pura, é auto ajuda a marteladas. É algo do tipo, enfrenta teus problemas e os digere do jeito que você puder pois isto vai te fortalecer, não te vitimes, isto é necessário para teu crescimento. 

Dentro deste contexto, estamos diante do ano de 2020. Um ano de pandemia. Um tal de Covid 19 invadiu nossa realidade e aprisionou-nos. E olha que a maioria de nós nunca cometeu um crime sequer passível desta prisão domiciliar que nos foi imposta.

Vivemos uma realidade nunca antes imaginada. Uma doença apareceu, altamente contagiosa e sem um tratamento efetivo, sem uma vacina e sem uma noção certa do que pode causar efetivamente à raça humana. 

Perdemos nosso norte. É como se o nosso timoneiro abandonasse o barco, nos deixando à deriva.

O que nos dá esperança é que equipes de saúde e cientistas estão dia e noite trabalhando, ora para tratar quem está doente, ora buscando uma vacina que amenize o contágio dessa doença.

O que nos resta neste momento é saber como agir nesse meio tempo em que estamos nesta prisão. 

Acredito que é neste ponto que Nietzsche invade nossas vidas, sem pedir licença, e nos apresenta um protótipo existencial que foge de qualquer arquétipo imaginável.

Precisamos nos superar para sair dessa. Precisamos achar uma forma de enfrentar nossos fantasmas, enfrentar a realidade das famílias em casa o tempo todo juntos e lidando com as diferenças.

Penso no número de divórcios que aconteceram nessa pandemia. 

As pessoas tornaram-se muito rasas. Casais convivem por anos, mas com poucas horas de contato direto um com o outro. Muitos desses casais só se vêem à noite e finais de semana, isso dividindo o mesmo teto.

Pais e filhos. Imaginem quantos milhões de pais que por necessidade financeira deixam seus filhos na creche às sete da manhã e os buscam às sete da noite devido à sua jornada de trabalho.

Não culpo aqui os casais, os pais ou qualquer outro ser humano por suas rotinas. É a vida, são hábitos, necessidades.

O ponto que quero ressaltar aqui é que a rotina foi quebrada. A realidade é que ninguém mais sabe conviver com quem ama e por quem trabalham boa parte da vida para poder dar uma vida agradável dentro da normalidade.

De repente nos vimos fora do normal, tendo que reaprender a viver, reaprender a amar, reaprender a sermos humanos, demasiadamente humanos e isso é um peso que a maioria das pessoas não dá conta.

Neste ponto, Nietzsche mostra-se, com sua auto-ajuda ríspida e nos impele a enfrentarmos a bronca e arcar com a vida que criamos, com o nosso meio que acreditamos e que lutamos para que continue a existir.

Aí, neste momento,  percebemos que é muito mais fácil corrermos atrás do sustento  do que enfrentarmos os conflitos e o outro ser que amamos na vida cotidiana.

Übermensch? É para poucos... A grande pergunta aqui é: "Você, enquanto ser humano, é capaz de superar-se por amor a si próprio e por consequência, amar de verdade seu par e seus filhos sem enlouquecer ou até mesmo abandonar o barco da convivência?"

Até breve!

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Ditirambos de Dionísio - Poemas de Nietzsche

Há alguns dias um leitor do blog questionou-me a respeito dos poemas de Nietzsche e onde poderia encontrá-los pois ao buscar na internet só encontrava fragmentos desencontrados. 

Realmente, em uma busca rápida podemos detectar isso. Acredito que isso acontece pois não é uma fase muito conhecida dentro dos trabalhos de Nietzsche, entretanto não deixa de ser importante pois trata-se de um trabalho forte e belíssimo.

Pois bem, dentro de minha pesquisa acabei achando um livro com os poemas de Nietzsche e comprei. 

Este livro é da Companhia Das Letras, edição do ano de 2016 e traduzido por Paulo César de Souza. Na verdade são dois livros em um, nele tem o livro "O Anticristo" e "Ditirambos de Dionísio", sendo o último apresentado em edição bilíngue, alemão e português.

Esta é uma dica interessante para quem deseja conhecer o lado poeta de Nietzsche que é muito forte e como o habitual, não deixa de ser encantador.

Até breve!

terça-feira, 16 de junho de 2020

Relançamento do livro Crepúsculo dos Ídolos

Lendo as notícias hoje pela manhã, deparei-me com uma boa nova para quem gosta de leitura e em especial de Nietzsche.

A editora Edipro está lançando agora em junho uma edição comemorativa do livro "Crepúsculo dos Ídolos". Fiquei muito feliz com isso e parabenizo a editora por esta iniciativa.

Li o artigo publicado pela página da UOL e achei bem interessante, entretanto, acredito que ao contrário do que foi descrito no artigo, Nietzsche não enlouqueceu, ele teve um colapso em janeiro de 1889 e fechou-se para o mundo em profunda depressão, não falando nem escrevendo mais nada até sua morte em agosto de 1900. 



Tenho especial predileção por este livro de Nietzsche pois ele representa a compilação de todo o seu trabalho e por este motivo é conhecido como "a arte de filosofar a marteladas" e por esse motivo nasceu o nome do meu blog.

Por coincidência escrevi a poucos dias um artigo intitulado Crepúsculo dos Ídolos Neste artigo faço comentários e citações a respeito deste livro.

Para quem ainda não leu Crepúsculo dos Ídolos esta é uma oportunidade bacana.

Até breve!!!

quarta-feira, 13 de maio de 2020

A Pandemia que arrancou as máscaras da Humanidade e de seus Líderes

Vivemos um momento obscuro, de incertezas, de medo. Medo de perder quem amamos, medo de nunca mais voltarmos à nossa relativa normalidade e principalmente, o medo de ficarmos sozinhos com nossas próprias individualidades.



A quarentena nos assusta, a economia quebrar nos assusta. Mas, acima de tudo, morrer assusta-nos muito mais.

O COVID-19, esse vírus letal que vem assolando o mundo todo com elevada taxa de mortalidade, tem servido para nos mostrar a reação das pessoas e, em particular, vemos muita gente colocando a economia dos países acima das vidas humanas. Chegamos a ouvir, perplexos, um certo famigerado governante tupiniquim dizer, "Se morrer morreu, todo mundo morre, e daí?".

Que tempos obscuros são estes?

Este tornou-se meu questionamento diário. 

A introspecção da quarentena fez-me pensar em Nietzsche. No final do séc. XIX, o filósofo perdeu os sentidos ao deparar-se com a maldade e a pequenez  do ser humano ao ver um cocheiro espancando um cavalo.

Agora, imaginem nosso filósofo deparar-se com as pessoas do séc. XXI? Certamente o nojo e a repulsa seriam inevitáveis e diria que a humanidade precisaria de mais cem ou duzentos anos ainda para compreendê-lo. Acredito eu que nunca a humanidade chegará a este ponto. 

A filosofia de Nietzsche é para poucos e assim continuará sendo.

Estas divagações me levaram ao prefácio do livro "O Anticristo", onde Nietzsche deixa bem claro quem ele deseja que sejam seus leitores. O filósofo refere-se a pessoas não nascidas ainda, pessoas que compreenderam seu livro Zaratustra, pessoas de livre pensamento e sem medo do proibido. Um ponto muito forte citado por Nietzsche e que desejo salientar aqui é o seguinte:

... é necessário possuir uma integridade intelectual levada aos limites
extremos. Estar acostumado a viver no cimo das montanhas - e ver 
a imundície política e o nacionalismo abaixo de si.

Vivemos em um mundo altamente politizado e maniqueísta, ou seja, quem é de "Direita" representa Deus e a família tradicional. Já quem é denominado de "Esquerda" representa o Diabo e todo o mal que assola a humanidade.

O que percebo é que a política, para essas pessoas intituladas "do bem", virou uma espécie de religião e os deuses deles são seus líderes, ou seja, seus presidentes, vide Bolsonaro e Trump. A exemplo disso, vimos pessoas dando entrada em hospitais nos EUA intoxicadas, pois Trump falou que injetar desinfetante combateria o vírus COVID-19.

Diante desse tipo de situação fica complicado traçar qualquer forma de diálogo saudável. Entretanto, é de fundamental importância analisarmos este momento histórico que estamos vivendo. Por mais que nos gere asco depararmo-nos com comportamentos que desprezam a vida, colocando números no lugar de pessoas, precisamos debater a  respeito desse comportamento hediondo.

O comportamento que estamos presenciando que vem emanando das massas, era visto apenas em ditadores do início do séc. XX, como Hitler, Mussolini e Stalin. Inclusive dois deles, Hitler e Mussolini, tomaram pra si algumas ideias errôneas da filosofia nietzschiana e levaram a cabo a ideia de que eram uma forma de übermensch quando, na verdade, passaram léguas longe disso.

O Übermensch de Nietzsche é o homem além do homem, é o homem que se supera todos os dias, que vence seus problemas e se eleva.

Percebam que não vemos nada disso nestes líderes. Pelo contrário, o que vimos como fruto disso foi um total desprezo à vida, às pessoas, a exaltação de um nacionalismo desproporcional, um desprezo em relação à arte, à educação, aos artistas e escritores. Enfim, tudo que torna bela a vida foi suprimido.

Agora, em pleno 2020, vemos populações que aderiram a este pensamento. É mórbido mas é real.

Sob a administração de líderes ditatoriais e sob a desculpa de lutar pelos direitos da família tradicional, vemos a ignorância falar mais alto. Mais alto que a Ciência, da qual estamos totalmente dependentes para obter uma cura.

Essas mesmas pessoas são contra a quarentena, são contra métodos de higiene básicos que amenizam o grau de contágio.

Muitas vezes tenho a sensação de que dormi e acordei na Idade Média. Vejo pessoas defendendo a teoria da Terra Plana, que já foi abolida há mais de quinhentos anos; vejo pessoas defendendo preceitos religiosos destorcidos e sem sentido algum...

Que mundo é este em que estamos vivendo? Que humanidade desumanizada é esta, que coloca valores monetários acima de vidas?

Sinceramente, não sei mais o que esperar...

Tenho noção de que estamos no olho do furacão, que tudo isso vai passar, mas tenho muito medo do que restará de humanidade para o futuro.

Nietzsche, por toda sua obra, sempre nos mostrou que não era para procurarmos respostas em seus escritos, mas sim questionamentos...

Vivemos tempos de grandes questionamentos. Dois deles, que se impõe neste momento são:

"Para onde e como andará a humanidade com todas essas máscaras caindo?", e "O que virá na realidade pós-pandemia?"...

Até breve!