quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Nietzsche e Goethe

Em meu artigo anterior tratei da forma da escrita de Nietzsche e sua reverência a Tucídides, o grande escritor e general na Guerra do Peloponeso.

No livro Crepúsculo dos Ídolos, Nietzsche tece uma forma de sabatina com os escritores, filósofos e líderes dos últimos dois mil e quatrocentos anos. Óbvio que dentro disso encontram-se os mais importantes pensadores de suas épocas, e o filósofo do martelo não tem papas na lingua e segue dinamitando  o pensamento dessas ilustres personalidades, que até então eram incontestes no que faziam.

Entretanto, duas personalidades históricas saem ilesas, e não apenas ilesas, mas elogiadas por Nietzsche. O primeiro foi Tucídides, o ateniense, e o segundo foi Goethe.

Johann Wolfgan Von Goethe foi um polímata e escritor alemão, reconhecido mundialmente por sua obra "Fausto", livro este admirado e relido inumeras vezes pelo pai da Psicanálise, Sigmund Freud.

Mas Goethe não foi um escritor reconhecido apenas por uma obra, muito pelo contrário. Quando em 1774 foi publicado seu romance "A paixão do jovem Werther", o frisson entre a juventude foi generalizado. Os jovens passaram a vestir-se como as personagens do romance. O assunto nas rodas de amigos era o grande desfecho da obra. E esta obra foi tão celebrada, ao ponto de algumas pessoas terem cometido suicídio assim como o fez Werther, em seu trágico destino na obra.

Como citei acima, Goethe foi um polímata, ou seja, uma pessoas de múltiplos saberes. Todo o seu pensamento tinha como solo fértil a sua curiosidade em relação a tudo que lhe chamasse a atenção e o que ele desconhecia, estudava profundamente a ponto de se tornar um astuto conhecedor do tema em questão. 

Goethe tinha aversão por quatro coisas, as quais dizia que a ele eram insuportáveis, "fumo de tabaco, percevejos, alho e a cruz" e nesse ponto Nietzsche cita que eles tem uma coisa em comum, a aversão à cruz, ou seja, ao Cristianismo.

A respeito de Goethe, Nietzsche diz o seguinte:

"Goethe - não um acontecimento alemão, mas europeu:

Uma formidável tentativa de superar o século XVIII com um retorno

à natureza, com um ascender à naturalidade da Renascença, uma espécie

de autossuperação por parte daquele século.

Ele carregava os mais fortes instintos deste: a sensibilidade, a idolatria

da natureza, o elemento anti-histórico, o idealista, o irreal e revolucionário

(- sendo este último uma forma de irreal).

Ele recorreu à história, à ciência natural, à Antiguidade, também a Spinoza,

sobretudo à atividade prática; cercou-se apenas de horizontes delimitados;

não se desprendeu da vida, pôs-se dentro dela; não era desalentado, e tomou

tanto quanto era possível sobre si, acima de si, em si. O que queria era a totalidade;

combateu a separação da razão, sensualidade, sentimento, vontade (- pregada, com

horrendo escolasticismo, por Kant, o anípoda de Goethe), disciplinou-se para a

inteireza, criou a sim mesmo...

{...}

Goethe é o último alemão pelo qual sinto reverência". 

A óbvia reverência de Nietzsche a Goethe reflete o arquétipo de ser humano, que Nietzsche percebia como um "ser superior", o ser que supera a si mesmo, que vê além, que não usa a moral como ferramenta de "auto-flagelação", o ser que é livre por natureza e busca em sua vontade o conhecimento de si e tudo a sua volta. Este é o ser imaginado por Nietzsche e personificado em Goethe.

Toda a filosofia nietzschiana gira em torno da construção de um ser humano livre das amarras do pensamento socrático-platônico-cristão que moldou uma forma de "animal doente", preso na ilusão de felicidade plena apenas em um outro "mundo" (o mundo das idéias de Platão ou o paraíso cristão) e para merecer isso é necessário abrir mão da própria natureza humana, pois a vontade é um erro, os prazeres do corpo são considerados crimes sob pena de merecer "o inferno".  

Nietzsche percebe toda essa problemática, da voz ao seu pensamento e o constrói de forma muito bem alicerçada e como prêmio ganha a alcunha de "louco", "drogado", "pai ideológico do nazismo" e tantos outros absurdos com os quais nos deparamos por aí. 

Por esse motivo é de fundamental importância para quem tem interesse em Nietzsche, beber direto na fonte dele e assim, de forma arqueológica, entender seu pensamento e o seu projeto de "humanidade" livre de amarras que adoecem o ser. Este é o meu trabalho e o realizo com muito carinho. E o que me move é a vontade de conhecimento que é parte do meu ser...

Caro leitor, o que te move? O que te faz querer mais de si e da vida? 

Estes são ótimos questionamentos, que nos fazem descobrir o que somos realmente, o que queremos de nossas vidas, o que buscamos enquanto realização de nós mesmos... Ao chegarmos nesse ponto, a própria força reativa existente no ser nos dá força para encarar a dura luta do dia a dia...

E, finalizando, deixo este aforisma de Nietzsche para uma boa reflexão...

"Se te apetece esforçar, esforça-te;

se te apetece repousar, repousa;

se te apetece fugir, fuja;

se te apetece resistir, resista;

mas saiba bem o que te apetece, e não recue ante nenhum pretexto,

porque o universo se organizará para te dissuadir".

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